Já imaginou ver um senhor magro com mais de 70 anos de idade saltar 18 metros do alto de um navio cargueiro no meio do oceano, pronto para nadar algumas horas de volta à costa? Se você é sergipano, é bem provável que já conheça a lenda deste homem, o Prático de Navios mais famoso do Brasil. Mas para quem ainda não conhece essa incrível história de humildade, resiliência e paixão pelo mar, será nosso prazer te apresentar José Martins Ribeiro Nunes, o inesquecível Zé Peixe.
Quem foi Zé Peixe
Nascido em Aracaju, em 1927, José Martins Ribeiro Nunes nunca gostou de tomar banho de água doce. Como gostava de dizer, “’banho, só de mar”. Enquanto seus amigos atravessavam o Rio Sergipe e iam para as praias de canoa, José atravessava a nado. Gostava de cruzar o rio para pegar frutas dos cajueiros na outra margem, mesmo contra a recomendação dos pais. Quando tinha 11 anos, já um excelente nadador, foi visto mergulhando próximo a Capitania dos Portos pelo comandante da marinha Aldo Sá Brito de Souza, que deu a ele o apelido que o acompanharia por toda a vida, “Zé Peixe”.
Os pais de José Martins insistiam para que ele estudasse, mas o menino só gostava de ficar na praia, acompanhando o vai e vem dos navios, além de ajudar capitães locais com a mudança constante dos bancos de areia do rio. Já era Prático, e nem sabia. Aos 20 anos, por incentivo do pai, Zé Peixe participou do concurso de Prático da Capitania dos Portos local e foi aprovado, entrando assim na profissão que exerceria por mais de 60 anos. Homem simples, viúvo sem filhos e apaixonado pelo que fazia, morou sempre na mesma casa desde criança até a sua morte.
Zé Peixe e a Praticagem
Como Prático, Zé Peixe se destacou rapidamente por seu profundo conhecimento sobre as correntezas, mudanças de vento e profundidade da água na barra do Rio Sergipe, uma das entradas portuárias mais complexas do Brasil. Zé sabia manobrar um barco em segurança como ninguém.
Apesar do grande talento como Prático, foi a forma única como exercia sua profissão que chamou atenção da mídia e de capitães pelo mundo todo: toda vez que um navio precisava sair do porto com a orientação de um Prático, Zé Peixe subia a bordo apenas de bermuda e camiseta e dispensava o barco de apoio para o retorno. Quando a manobra estava concluída, juntava seus pertences e saltava do parapeiro das embarcações, fazendo pulos de mais de 15 metros de altura até o mar, para então nadar 10 km de volta à costa e depois andar mais 10 km até a Capitania dos Portos, uma rotina que podia levar mais de 3 horas.
O que para Zé Peixe era um hábito, para os comandantes dos navios era algo que eles nunca tinham visto. Quem o conhecia contava a história de um comandante russo que, acreditando que ele estivesse louco, ordenou aos marujos que o segurassem antes do salto. Amor como o de Zé Peixe pelo oceano era difícil de encontrar. Quando um navio estava com entrada prevista no porto, por vezes ia remando em uma prancha até alto mar (12 km da costa) para esperar pela embarcação ali mesmo, sentado na boia de sinalização até que a maré estivesse adequada para a aproximação. Além do jeito único de trabalhar, Zé surpreendia capitães e tripulações ao realizar esses feitos mesmo em idade avançada. Afinal, quem era aquele senhor que se jogava ao mar depois da faina?
A admiração e respeito que Zé Peixe provocava também valia para seus colegas, que o tinham como um homem íntegro e irrepreensível. O prático Leonardo Inácio, que conviveu com “Zé Peixinho” (como era conhecido pelos colegas), conta que era impossível apontar nele um único defeito. “Nenhuma pessoa que tenha convivido com Zé Peixe vai falar algo de ruim dele. Ele vai ficar na história como uma pessoa única, um ser humano sem máculas”, afirmou. Em sua opinião, a história de Zé Peixe, tanto no campo profissional como no pessoal, faz dele uma figura representativa do povo sergipano. “Eu tenho muito orgulho de ter tido a oportunidade de trabalhar com ele. Zé Peixe é uma das poucas pessoas que representam verdadeiramente a sergipanidade e é alguém que só honra a imagem do seu estado”, declarou Leonardo Inácio.
Zé Peixe deixou a Praticagem aos 82 anos, a pedido próprio, já que a idade avançada e outras condições médicas poderiam comprometer o desempenho de sua função.
Os feitos de um homem simples
Ao longo das seis décadas da carreira, Zé Peixe mostrou sua bravura e foi homenageado muitas vezes. Ainda aos 25 anos, com ajuda da irmã Rita, salvou três velejadores do Rio Grande do Norte quando a embarcação virou no mar revolto. Outro caso marcante foi do navio Mercury, que pegou fogo em alto mar com vários funcionários da Petrobras. Ignorando o risco de explosão, o Prático foi até o navio em chamas, subiu a bordo e levou a embarcação até um ponto seguro em que a tripulação pudesse saltar e nadar até a praia.
Dentre os muitos prêmios conquistados, recebeu a Medalha ao Mérito do Rio Grande do Norte, a Medalha de Ordem ao Mérito Serigy, a mais alta condecoração do município de Aracaju, e também a Medalha Almirante Tamandaré, que homenageia instituições e pessoas que tenham prestado importante serviço na divulgação ou no fortalecimento das tradições da Marinha do Brasil. Teve a honra de ser um dos escolhidos para conduzir a tocha pan-americana em Sergipe durante os Jogos Pan-Americanos de 2007, realizando o trajeto de barco. Eventualmente, foi eleito o Cidadão Sergipano do Século XX.
Legado
Com sua morte em 2012, vítima de insuficiência respiratória, Zé Peixe saiu da vida para entrar na história de Sergipe. Conhecido por todos em Aracaju, seu velório lotou a Igreja de São José com mais de 400 pessoas entre amigos, fãs, colegas e autoridades locais.
Seu jeito vigoroso, corajoso, independente e trabalhador sempre foram vistos como exemplos de caráter e de envelhecimento digno. Ao longo de décadas, foi tema de vários jornais, revistas, livros (inclusive uma biografia, intitulada ‘Amigo das Águas’), entrevistas e reportagens televisivas, tanto nacionais quanto internacionais. No dia do seu último aniversário, viu a inauguração de seu busto na Praça dos Heróis, na Capitania dos Portos. Há uma estátua dele no Memorial de Sergipe outra no Espaço Zé Peixe, museu e centro cultural construído para preservar sua linda história na beira das águas do Rio Sergipe.
REFERÊNCIAS:
Foto Capa: https://pt.wikipedia.org/wiki/Z%C3%A9_Peixe#/media/Ficheiro:Jose_martins.jpg
Vídeo | Zé Peixe – prático do Porto de Aracaju
G1 | Espaço Zé Peixe será inaugurado
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4 respostas
É o meu herói, desde criança o via passar por minha cidade Barra dos Coqueiros ! Sempre que estou no mar eu lembro dele !
Que excelente, Washington! Zé Peixe é um grande exemplo para todo nós!
Muito boa história um homem desses com uma habilidade dessas ,trabalhei 23 anos embarcado nunca vi nada igual
De fato, vai ficar para a história! Amor pelo mar como esse é único.