“Nada era somente lido. Tudo era testado para garantir que eu havia compreendido e memorizado o conteúdo.”
Foi dessa forma que Rafael Moulié, então oficial do Exército Brasileiro, foi aprovado duas vezes no Processo Seletivo para Praticantes de Prático e conseguiu tornar-se Prático de Navios na ZP-14 (ES). Ele nos concedeu uma entrevista na qual contou todos os detalhes e desafios da sua preparação, além de falar um pouco sobre a sua carreira.
Confira a sexta edição da nossa série “Entrevista com Prático” e inspire-se com essa história de vida fascinante.
Transcrição da entrevista com o Prático Rafael Moulié:
Entrevistador: Bom dia, Rafael. Então, conta pra gente. Há quanto tempo você é Prático? E em qual ZP você trabalha?
Rafael: Eu trabalho na ZP-14 em Vitória, Tubarão, Praia Mole e Barra do Riacho. Eu sou Prático aqui desde o processo seletivo de 2011, já faz dez anos. Antes, eu fui Prático na ZP-05, no processo seletivo de 2008, que fica em Fortaleza e Pecém.
Entrevistador: E essa é a sua segunda ZP!
Rafael: Minha segunda ZP.
Entrevistador: Como você conheceu a Praticagem? Você já conhecia algum Prático?
Rafael: Ah, isso é uma história longa! Mas eu vou dar uma pincelada nela. Em 2006, eu participei da viagem de Instrução de Guardas-Marinha, também chamada de “Viagem de Ouro”, a bordo de um navio. Foi uma viagem que durou vários meses e, em alguns momentos, eu participava de atividades no passadiço do navio. A viagem iniciou no Rio de Janeiro e o primeiro porto de parada foi Montevideo, no Uruguai. Eu lembro das pessoas a bordo comentando “Ah, vai subir o Prático!”, e a minha primeira reação foi “Ué, para que vai subir esse Prático?”. Eu nunca tinha ouvido falar nisso, foi a primeira vez. Eu pensei “Mas para que?” e me explicaram que ele iria assessorar o Comandante. Fiquei me questionando “Ué, o Comandante não faz a manobra? Ele não atraca o navio dele?”. E foi aí que caiu a ficha do que se tratava. Quem já está estudando e está no processo já sabe dos vários motivos pelos quais o Prático é requerido em todos os grandes portos do mundo. Mas esse foi o meu primeiro contato. Isso aconteceu em vários outros portos ao longo de seis meses.
Entrevistador: Como foi a sua decisão de virar um Prático de Navios?
Rafael: Minha decisão de virar Prático? Ah, isso aí é interessante! Também foi nessa viagem. A primeira coisa que pensei foi “Para que serve o Prático?”, depois eu questionei “Mas e aí? Como é que funciona?”. Então, as pessoas a bordo do navio falaram que era uma profissão muito almejada. Elas explicaram que os Práticos se candidatavam a um processo seletivo, mas que era muito difícil de passar. Disseram que vários Comandantes de Navios tentavam passar e não conseguiam. E eu perguntei “Como assim não conseguem?” e eles responderam “Comandantes… tanto os da Marinha Mercante quanto os da Marinha de Guerra, alguns não conseguem passar.” E aí eu pensei “Nossa, Comandantes são profissionais muito experientes, né? Normalmente, eles têm 20, 30 anos de experiência.” Acontece que as pessoas tinham uma expectativa de que ser Prático era uma coisa inatingível. Então eu fui buscando, fui correndo atrás, fui perguntando e percebi que tinha um “gap” entre o desejo de ser Prático e as pessoas que realmente se lançavam nessa possibilidade. Elas achavam bacana, mas não tentavam. Foi aí que eu percebi um espaço em que eu poderia me encaixar. A partir daí, foram vários meses identificando quais eram os requisitos necessários para participar. Em 2006, por acaso, estava tendo um processo seletivo, então rapidamente eu tive acesso ao edital e à prova, que foi publicada logo após ter sido realizada.
Entrevistador: Durante a sua preparação, qual foi o seu maior desafio?
Rafael: Em 2008, foi difícil conseguir o material porque eles não estavam disponíveis no formato online. Eu estava trabalhando no Rio de Janeiro, sou oficial do Exército, formado na AMAN. Para conseguir esse material, eu conheci algumas pessoas que tinham acesso às bibliotecas do Rio… foi assim que eu consegui ter acesso à bibliografia. Depois o desafio foi conciliar o tempo de estudo com o trabalho. Na verdade, esse foi o maior desafio… trabalhar e ter tempo para se dedicar aos estudos para a prova de Prático. Deu certo porque eu tinha 23 anos, eu tinha tempo. Eu trabalhava o dia inteiro, chegava em casa e não tinha outros compromissos com filhos e outras coisas. Então eu conseguia estudar até muito tarde… e essa foi a minha trajetória em 2008. Foi um ano muito duro, sabe… Foi um ano que eu estava estudando demais, sábado e domingo, e nessas horas você tem que combinar com a família, né? No meu caso, minha família eram meus irmãos, pais e amigos. Mas aí você combina… fala para os amigos “Olha, pessoal, eu tô aqui estudando, eu não tô maluco não. Vou passar sábado e domingo aqui, mas não se preocupe, eu ainda sou amigo de todo mundo. Só não vou mais sair como a gente saía antes.” Esse tipo de coisa, sabe? Aí você combina com a namorada também “Ó, não tem como ir ao cinema toda semana, não tem condição.” Dado esse contrato, as pessoas aceitam e a gente parte para cima!
Já em 2011, o processo foi muito mais estruturado. Eu já era Prático na ZP-05, então já conhecia o processo. O maior desafio foi me planejar e organizar o meu tempo. No fim, eu consegui me dedicar muito mais, consegui me dedicar de fato. Essas foram as minhas dificuldades.
Entrevistador: Como foi a sensação no dia que você soube que passou no concurso?
Rafael: Ah, foi maravilhosa! Na verdade, passar em qualquer coisa é bom, né? Eu, particularmente, já fiz provas diversas. Começando lá na época do ensino médio, fiz prova para entrar em escola técnica, prova para passar no vestibular, prova de tudo que é tipo.
Entrevistador: Então, digamos que você já tinha experiência…
Rafael: Sim. Afinal, o que me motivou a virar Prático foram as pessoas dizendo que era difícil. Mas eu pensava “Nossa, mas as pessoas que acabaram de sair da faculdade já estão tão acostumadas a estudar que acaba sendo uma continuidade.” Eu acredito que é por isso que existe essa ideia de que pessoas experientes não passam. Elas passam sim, só precisam se organizar melhor. Elas só têm algumas dificuldades a mais, pois o contrato tem que ser com a mulher, com os filhos, marido… para elas conseguirem o tempo ideal para estudar.
Em 2008, foi uma surpresa porque eu não conhecia ninguém que era Prático. Eu era um alien no sistema vindo do Exército. Inclusive, quando fui para a PPO (Prova Prático-Oral) com uma farda do Exército, uniformizado, os avaliadores olhavam para mim e achavam graça. Eu não lembro agora se na prova escrita eu fui de uniforme, mas eu era um alien. Então, quando eu passei em 2008, foi de cair o queixo, foi excelente. Mas foi um misto de emoções, porque tinha pessoas muito próximas que estudaram comigo e não passaram.
Em 2011, foi só alegria. Eu sou capixaba, então, naquela ocasião, meu foco era voltar para o Espírito Santo. Só tinha uma vaga e eu só pensei “É ela. Eu quero essa vaga”.
Entrevistador: E como foi a sua preparação para o concurso? Teve diferença entre o processo de 2008 e o de 2011?
Rafael: Em 2008, foi aos trancos e barrancos. Fui me adaptando e fiz o que deu para fazer. Quando eu fui para a Prova Prático-Oral, tive a oportunidade de conhecer alguns colegas que hoje são meus grandes amigos, são Práticos também. E aí eu vi que eles passaram no topo do processo seletivo de 2008, e eu passei lá na rabeira, lá atrás. Conversando com eles, eu percebi o nível de preparação daquele pessoal. Por alguns instantes, eu não acreditei em mim. Afinal, tudo que eu perguntava, eles sabiam. Eu fiquei assustado e percebi o nível da concorrência.
Depois de ter passado, eu descobri como era: as pessoas estudam por anos, por muitas horas ao dia, em um nível de dedicação muito intenso. Você percebe que a relação candidato-vaga é um pouco deslocada do nível de preparação. Pode até ser que a relação candidato-vaga não seja grande, mas o nível de preparação dos aprovados é mais do que ótimo. E isso reflete na qualidade dos profissionais da Praticagem no Brasil. Existem profissionais excepcionais. Se você me perguntar uma das coisas que eu mais gosto na atividade, é isso… estar sempre trabalhando com gente boa, competente e motivada. Tanto na Praticagem quanto na relação com outros entes do porto, como o pessoal da Marinha e da atividade portuária.
Em 2011, eu já tinha um farol, eu já sabia onde eu tinha que chegar e o que precisava fazer. Eu precisava ter um nível de conhecimento igual ou melhor do que aquele pessoal que conheci em 2008. Na verdade, eu tinha que fazer melhor para garantir essa vaga que apareceu posteriormente. Então a minha preparação foi um misto de disciplina, planejamento e velocidade para revisar o conteúdo, para que eu conseguisse sempre lembrar o que já tinha aprendido. E, principalmente, todo o conhecimento absorvido era testado. Nada era somente lido. Tudo era testado para garantir que eu havia compreendido e memorizado o conteúdo.
Entrevistador: Como foi o seu estágio de Praticante de Prático?
Rafael: Os Praticantes de Prático geralmente são muito bem recebidos pela Praticagem. O estágio é bem organizado e há diversas exigências da Capitania dos Portos. Ele te permite ganhar a experiência prática que o candidato, muitas vezes, não tem quando entra. Era o meu caso em 2008. Nesse momento, você consegue casar o conhecimento técnico adquirido através dos estudos com a experiência, com a prática e com a habilidade.
No estágio de Vitória, em 2011, eu tive que realizar mais de 1.000 manobras de treinamento. Mesmo eu já sendo Prático em Fortaleza, o estágio na segunda ZP foi completão. Não consegui realizar em um ano, levei um ano e três meses, porque eu ainda fiquei um tempo trabalhando em Fortaleza e vinha fazer o treinamento em Vitória. Foi tenebroso. Atendendo às limitações de descanso que são exigidas por regra, o resto do tempo era só subir em navio. São essas exigências no treinamento que fazem a gente casar o conhecimento técnico com a prática.
Entrevistador: Como Prático, qual é o melhor aspecto da carreira para você?
Rafael: O melhor é trabalhar com pessoas competentes e os desafios encontrados. A gente passa por um treinamento extenso e completo, mas sempre aparece um “abacaxi para descascar”. E isso é desafiador. Às vezes aparece um submarino, uma plataforma de petróleo ou um porta-aviões, que são navios muito diferentes. Complicado, né? E ninguém vai estar lá para te ensinar além dos Práticos mais experientes. É nesse momento que você usa toda a sua preparação, as 1.000 manobras que foram feitas e toda a sua bagagem para poder encarar essas dificuldades. É desafiador e me motiva.
A outra coisa, como disse antes, é a relação com pessoas de todas as partes do mundo. Às vezes, você chega a bordo no passadiço e encontra uma tripulação alegre que quer trabalhar em conjunto; outras vezes, as pessoas a bordo já estão há 40 dias no mar, super estressadas, e você tem que fazer uma manobra com extrema qualidade e segurança. Você está lá para assessorar a equipe e precisa estar alinhado com ela.
E na Praticagem, além das manobras, a gente participa de diversos projetos de expansão portuária. Tanto de crescimento de portos atuais quanto de criação de novos portos. Nós assessoramos a Autoridade Marítima e participamos ativamente de diversos projetos, em centros de simulação e mesas de reunião, tratando com o pessoal de engenharia e da área de desenvolvimento. É ótimo. No Espírito Santo, existem alguns projetos de portos a serem lançados agora, mas que nós da Praticagem já estávamos trabalhando junto com essas iniciativas há mais de 5 anos.
Entrevistador: Se você pudesse dar um conselho para quem quer ser Prático, qual seria?
Rafael: Primeiro, você tem que querer muito. Depois, você precisa se planejar, ter disciplina para seguir o planejamento e identificar quais são os seus gargalos. Todo mundo tem um gargalo. Por exemplo, se você gasta muito tempo com o seu trabalho atual ou com os seus estudos (no caso daqueles que estão cursando uma faculdade ou ainda irão cursar). Seja qual for a sua dificuldade em relação ao tempo, você precisa ir estudando aos poucos.
Mas também é preciso ter um plano para que, quando abrir o concurso, você tenha dedicação exclusiva. Se você estiver trabalhando, vale pedir uma licença. Se estiver estudando numa graduação, talvez pegar menos disciplinas. Às vezes, o gargalo da pessoa está no inglês… ela tem o inglês ruim. E ela pode ter estudado muito e saber muita coisa, mas se chegar na PPO com inglês zero, não vai conseguir. Então você precisa identificar esse gargalo antes e ir se preparando. Algumas pessoas não conhecem técnicas de memorização, então elas precisam ir à internet dar uma pesquisada para aplicá-las. O principal é isso: identificar os seus gargalos e eliminá-los. E quando chegar mais próximo do concurso, a dedicação tem que ser 100%… como eu falei antes, é fazer o contrato com a família e com a sociedade para cair dentro.
Uma coisa que eu acho importante também é a autoconfiança. Eu tive uma facilidade nesse sentido por causa da minha formação na Academia Militar das Agulhas Negras. Lá os cadetes são preparados para superar limites desde a hora que acordam até a hora que dormem. Eles são testados o tempo todo. Então eu saí de lá com uma autoconfiança muito grande. E quando as pessoas diziam que o concurso era muito difícil, isso foi um fator motivador. Então, tem que ter essa autoconfiança.
Mesmo que você seja autoconfiante, uma coisa que pode amenizar a sua tensão na hora da prova é você pensar que o processo seletivo não é a salvação da sua vida. Você precisa sempre ter um plano B, ter tranquilidade para fazer provas. O seu pensamento deve ser “Ah, se eu não passar nessa, vou continuar tocando a minha vida, vou continuar trabalhando. Nada vai se acabar”. É uma coisa que a pessoa precisa trabalhar bem. É um investimento emocional. Existem muitas formas de trabalhar isso e uma delas é pensar que essa prova não é a única opção para a sua vida. Mas você tem que se dedicar sim… dedicar seu tempo, sua energia, seus recursos, mas a vida não é só aquela prova. Não estou falando só de Praticagem, estou falando de provas em geral, vestibular, qualquer coisa.
Entrevistador: Você teria alguma dica ou conselho para quem está estudando para se tornar Prático hoje?
Rafael: Sou muito grato aos colegas de 2008! Eles me ajudaram na prova de 2008 e também serviram de exemplo para que eu pudesse me dedicar em 2011. Então eu acredito que quem está estudando precisa manter alguns relacionamentos saudáveis assim. Minha dica é pegar a amostra de candidatos que você conhece para ver quem está melhor. Aí você tem que trabalhar para estar naquele nível ou muito melhor. Se, das pessoas que você conhece, você é o melhor, lute para sempre se superar. A competição motiva as pessoas, eu sou muito ligado também à meritocracia. Você tem sempre que se comparar. Mas você precisa ser esperto para não correr o risco de se comparar com uma amostra que não é a realidade. Tome cuidado.
Entrevistador: Para a gente fechar, tem alguma outra coisa que você gostaria de falar sobre a carreira de Prático?
Rafael: Eu acho que é uma profissão que vale a pena investir e desejo boa sorte a todo mundo que quiser ser. Considerando o pessoal do Curso H que está assistindo, eu estive aí esse mês visitando o curso para conhecer e rever os amigos. Não deixei de notar a forma profissional como vocês trabalham.
Para dar um exemplo do profissionalismo de vocês, quando chegou em 2011, na Prova Prático-Oral, eu me preparei com o Curso H por um acaso. Eu queria fazer o treinamento da PPO nos Estados Unidos, como eu fiz em 2008. Mas lá não foi um treinamento voltado para a PPO, para o processo seletivo do Brasil, tanto é que o porto do simulador era o porto de São Francisco.
Quando chegou em 2011, eu precisava treinar em um simulador. E o nível de preparação foi outro! Montei um simulador em casa, consegui alguns fornecedores de softwares no exterior, montei o sistema baseado no porto do Rio de Janeiro. E mesmo tendo um simulador em casa, eu ainda queria treinar no exterior. Liguei para lá e eles falaram que fecharam uma parceria com o Curso H, então foi quando eu conheci vocês. E aí eu vi a diferença do treinamento. Realmente, parabéns ao curso! Quando eu cheguei lá e vi que o treinamento era super focado na Prova Prático Oral, de altíssimo nível, realmente fez uma diferença. Estão de parabéns! Acho que quem está estudando com vocês está muito bem assessorado. Desejo boa sorte a todos os candidatos.
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